segunda-feira, 25 de agosto de 2008

FREAR

(Renato)

Já não estou mais perto de casa
Eu não sei nem onde estava
Há anos
Coisas que eu não lembrava
Esqueci que ainda queria usar
Há tempos

Correndo por aí desenfreado em pensamentos
Não há tempo para relaxar
Enquanto as nuvens continuarem se movendo
Não há tempo nesse lugar
Não há alimento para a alma sedenta
Por um meio de simplesmente parar

Feito trem em rota de colisão
Automóvel na contramão
Sem qualquer freio
A hora e a direção
Invertidos na confusão
Em meus devaneios

Às duas da manhã eu surfo à dez mil quilômetros de altura
Às duas da tarde eu pulo de prédio em prédio pelas ruas
Às sete da noite eu termino outra volta ao mundo
Mas eu estou tonto a falar porque não percebi
Que sequer me levantei, estive só sentado
Nunca estive por aí, será que enlouqueci?

Porque quanto mais eu me vejo, mais eu caio
Num poço de desejos, sem fundo, num raio
Do diâmetro da terra, no âmago da terra
No estômago da terra, agora me encerra
A escuridão do vácuo, no meio, no átrio
No núcleo, num vacúolo vazio

Dos meus olhos, da minha memória
Da minha história, eu não molho
Minhas mãos nem as ponho no fogo
Pra rever, como eu sou um estorvo
Um vulto a remexer a mim mesmo
Que jogo, um corvo negro à esmo
A voar, eu perco, perco mesmo, fecho
Meu rosto em minhas mãos, a vergonha
De derramar lágrimas de arrependimento
Por não conseguir parar...

Todos os laços que eu criei
Foram amarrados sem cuidado
Foram costurados sem ninguém
Para me alertar dos machucados
E agora eu já dei tantos nós
Que amarrei meu pescoço sem nem perceber
E agora que estamos sós
Você me puxa com força sem sequer saber
O quanto eu estou preso, o quanto eu deixei para trás
Abandonei-os, force meu pescoço um pouco mais
Na corrida que eu mesmo inventei realmente faz
Décadas que eu perdi para mim, mas que mordaz
Que sagaz, que feroz, que atroz, que voraz

Eu não consegui segurar meu sarcasmo
Não consegui proteger meu ponto fraco
E se agora falo calmo é porque quase morri
Não sirvo nem de alvo, não me faça rir
Porque eu só sei correr, não sei parar
Pra perguntar como vai você
O que eu fiz não vou esperar
Vingança nenhuma para morrer
Quando encontrar o primeiro abismo
Eu vou despencar como sempre faço
Às duas da manhã

No turbilhão sangrento esvoaçante
Respingando através das minhas lentes
Oculares eu vejo tanto sangue
Em minha mente, é indecente
É num instante, eu vejo gente
Morta, viva, em pedaços, tente
Me contradizer, minha mente mente
Para mim, em qualquer lugar
Não posso mais ficar aqui
Por favor, eu preciso ir
Eu tenho que fugir
Não agüento mais ver isso
Não agüento mais imaginar
Eu não posso me controlar
E fazer isso desaparecer
Então eu só tenho que sumir

Correndo por aí desenfreado em pensamentos (...),

Frear! Frear! Parar!
Aqui e agora
Existir fora
Da minha cabeça
Não controlo as minhas pernas
Que pena, preciso dar adeus
O abismo em minha frente
Na estrada infinita
Inflando as terras ermas
Aonde sempre mirei, sempre
É meu... desejo.. deixar
De correr... e finalmente
Poderei...

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