quinta-feira, 28 de agosto de 2008

SIMULTANEIDADE

Nossos dias que agora não voltam
Balas perdidas que não assustam
Mais
A chance de ter vivido retorna
De outra forma, feito águas mornas
Quais
Vapores aquecem, acariciam-nos
Nos imergem em sonhos tão noturnos
Tais
Quais lagos escuros congelados
Que são astralmente visitados

Em suas escuridões envolventes eu me esqueço
E permito a mim mesmo me abraçar, conheço
Enfim, o calor do meu próprio corpo, perdido
Nessa enorme poça de lágrimas, tem sido

Muito bom me confortar em mim mesmo nesse oceano de prantos internos, atar os laços comigo, consigo me achar

Num raio de milhas e milhas, bem no meio
Da minha íris, assim me permeio
De facas
Nove milhões, novecentos milhões
Pulverizado, e em poucas razões
Tão fracas
Eu me apóio para levantar
Assim prosseguir, seguir as
Estacas
Pontilhando trilhas difíceis
Com problemas irresolvíveis

Em busca do sono eu viajo à noite até as profundezas dos lagos congelados
Em suas escuridões... (...)

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

FREAR

(Renato)

Já não estou mais perto de casa
Eu não sei nem onde estava
Há anos
Coisas que eu não lembrava
Esqueci que ainda queria usar
Há tempos

Correndo por aí desenfreado em pensamentos
Não há tempo para relaxar
Enquanto as nuvens continuarem se movendo
Não há tempo nesse lugar
Não há alimento para a alma sedenta
Por um meio de simplesmente parar

Feito trem em rota de colisão
Automóvel na contramão
Sem qualquer freio
A hora e a direção
Invertidos na confusão
Em meus devaneios

Às duas da manhã eu surfo à dez mil quilômetros de altura
Às duas da tarde eu pulo de prédio em prédio pelas ruas
Às sete da noite eu termino outra volta ao mundo
Mas eu estou tonto a falar porque não percebi
Que sequer me levantei, estive só sentado
Nunca estive por aí, será que enlouqueci?

Porque quanto mais eu me vejo, mais eu caio
Num poço de desejos, sem fundo, num raio
Do diâmetro da terra, no âmago da terra
No estômago da terra, agora me encerra
A escuridão do vácuo, no meio, no átrio
No núcleo, num vacúolo vazio

Dos meus olhos, da minha memória
Da minha história, eu não molho
Minhas mãos nem as ponho no fogo
Pra rever, como eu sou um estorvo
Um vulto a remexer a mim mesmo
Que jogo, um corvo negro à esmo
A voar, eu perco, perco mesmo, fecho
Meu rosto em minhas mãos, a vergonha
De derramar lágrimas de arrependimento
Por não conseguir parar...

Todos os laços que eu criei
Foram amarrados sem cuidado
Foram costurados sem ninguém
Para me alertar dos machucados
E agora eu já dei tantos nós
Que amarrei meu pescoço sem nem perceber
E agora que estamos sós
Você me puxa com força sem sequer saber
O quanto eu estou preso, o quanto eu deixei para trás
Abandonei-os, force meu pescoço um pouco mais
Na corrida que eu mesmo inventei realmente faz
Décadas que eu perdi para mim, mas que mordaz
Que sagaz, que feroz, que atroz, que voraz

Eu não consegui segurar meu sarcasmo
Não consegui proteger meu ponto fraco
E se agora falo calmo é porque quase morri
Não sirvo nem de alvo, não me faça rir
Porque eu só sei correr, não sei parar
Pra perguntar como vai você
O que eu fiz não vou esperar
Vingança nenhuma para morrer
Quando encontrar o primeiro abismo
Eu vou despencar como sempre faço
Às duas da manhã

No turbilhão sangrento esvoaçante
Respingando através das minhas lentes
Oculares eu vejo tanto sangue
Em minha mente, é indecente
É num instante, eu vejo gente
Morta, viva, em pedaços, tente
Me contradizer, minha mente mente
Para mim, em qualquer lugar
Não posso mais ficar aqui
Por favor, eu preciso ir
Eu tenho que fugir
Não agüento mais ver isso
Não agüento mais imaginar
Eu não posso me controlar
E fazer isso desaparecer
Então eu só tenho que sumir

Correndo por aí desenfreado em pensamentos (...),

Frear! Frear! Parar!
Aqui e agora
Existir fora
Da minha cabeça
Não controlo as minhas pernas
Que pena, preciso dar adeus
O abismo em minha frente
Na estrada infinita
Inflando as terras ermas
Aonde sempre mirei, sempre
É meu... desejo.. deixar
De correr... e finalmente
Poderei...

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

MAKAI

Sentado no divã como qualquer dia
Eu escarro todos os meus problemas
Procurando na paisagem da janela
A oposição aos meus dilemas
E quanto mais afogado me vejo
Na densidade do meu mundo
De uma atmosfera pesada
Profundo pesar e desespero

Já foram achados, desenterrados
Vestígios fósseis deprimidos
Em estratos fecundos de terra
Pela janela eu pulo
Profundo salto, alto mergulho
Na areia movediça
É assim a gente erra
E nem sempre alguém avisa

Restos mortais de um mundo depressado
Desmistificados pelo meu medo
Não adianta ficar me enganando que
A chuva sempre lava a areia aqui
Onde joguei meu passado tão sujo
Não adianta jogar mais terra por cima
E cavar de novo esse buraco cujo
Vão será preenchido por mim acima – de tudo

Já foram achados, desenterrados
Vestígios fósseis deprimidos
Em estratos fecundos de terra
Pela janela eu pulo
Profundo salto, alto mergulho
Na areia movediça
É assim a gente erra
E nem sempre alguém avisa

Quis sempre ter tido a chance de visitar esse lugar
Nos poços de minha mente, no fundo dos quais
Eu me mantenho a escavar
Pudera eu mergulhar na rocha negra onde já não
Há sequer uma gota de água ou lágrima mais
Eu me contento em esperar
A chance de o rei desse mundo de onde eu vim
Me trazer do núcleo do meu planeta uns pingos
Líquidos a fim de refrescar a minha sede
Preencher todos os vincos da minha mente

Respostas, alguma razão, para explicar a exposta fossilização dessa loucura

domingo, 17 de agosto de 2008

VÍCIO

(R Safardan, Renato X)

Eles construíam estruturas chamas zigurates,

Que serviam tanto de armazéns quanto templos

E eles tinham seu próprio exercício de religiosidade

Mas é distante do nosso, pertence a outros tempos


-Ei, interessante né, acreditar que no fim a alma desaparece!

-Não me vem com essa cara... Isso só serve pra me desencorajar

Não os entendo. Todos precisam de algo a que se agarrar

-Por isso que povos antigos como esse despertam interesse


-Isso tudo é papo furado...Num me interesso mais por coisa à toa não

-Mas é que isso te faz pensar no que as pessoas fazem

-Pensar dói ..O que com isso elas constroem?

-Cara, então... Por acaso você não pensa, ave!


-As divindades do hoje são a única motivação

E as divindades de ontem eram destruição

-Tou achando que dá no mesmo... Afinal o que eh o caos senão morte e vida, destruição e motivação?


-Acho que eu entendo... O que é que afinal eu tenho que os sumérios não tinham?


-Medo?


-Tédio.


-Posso beber água professor?

-Espera um pouco, pow

-O que foi, qual é a dúvida?

-Hum... Tá. Quer dizer... Não é nada.


Reduzir toda a existência a nada... A curiosidade de saber sobre o alem é angustiante

-Imagino como as pessoas lidam com isso rotineiramente

-Discuto esse assunto com minha faca de estimação...

-Ei, não precisa falar com pessoas tão perigosas não


Não é só porque te falta um consolo, afinal, né?

-Talvez seja... Mas acabou o café

Pra me manter acordado enquanto eu preciso

-É, tem que tá ligado nessa vida difícil


-É... Acho que é bom eu alimentar meu vício...

-É, se viciar em alguma coisa, não fazer só isso

Que a gente é obrigado a fazer, é um desperdício

-Tá então...Jogo minha faca no lixo... Afinal todo fim eh um início...

sábado, 16 de agosto de 2008

BATATAS

(Raimar, Renato)

Em todas as partes os vestígios da prisão
Eles me tiram das grades
E me deixam preso ao chão
Com o peso da existência
Eles me mantém na solitária
Dentro da minha cabeça
Fora da penitenciária
Comigo os sons dos meus passos...Acima de mim o céu
Azuis e tenros traços que eu nunca arranharei
No mar viajam os meus sonhos num barco de papel
Mas foram amassados por tudo que eu errei
E não há ninguém pra consertar
Minha vida agora é esperar
Pelo momento em que afundarei

Fadado a viver como um simples operário
Ajudando a manter o mundo funcionando
Sem fazer nada de grandioso jamais
Como uma pedra que ninguém vai
Saber que existiu e rolou por aí

E ainda pensam que as pessoas estão aí
Que as pessoas ligam pra gente assim
Que já arrastou uma bola de ferro
Parece que o destino é cego
E não me vê, mas eu estou aqui.

Eu estou aqui... A esperar... O tecelão fiar
Tecer o amanhecer que pra mim naum vai chegar
Sou um fio solto nessa estrada
Sou um buraco nessa roupa
Todo mundo foi pra guerra e não me chamou
Sou um desertor sem nenhuma escolha
Das telhas o caco... Do filme o figurante
Não tenho nenhuma chance de estrear
Os papéis já foram dados
Só me resta o meu lugar
Sou uma rese cujo pastor tem a voz rouca
Sou uma prece evocada em voz frouxa
Frouxa como a corda em meu pescoço
Seria o rei do universo dentro de uma casca de noz
Mas o pastor me deu a voz de liberdade
Agora eu posso correr à vontade preso do lado de fora

Aos vencedores as batatas
Mas eu fico só com as cascas
Todo mundo pega a polpa
E eu nunca me vangloriarei
De ter comido batata frita
O que seria do suflê sem as batatas?
Mas esse é o suflê da minha vida
Engolirei apenas isso todo dia