sexta-feira, 26 de setembro de 2008

ANEDONIA

Olho para o jantar e já não o quero mais
A risada alta à noite já não me satisfaz
Barulho de pneu de carro fazendo curva
Deixando na cabeça a imagem turva
Já não parece tão concreto quanto o preto
Úmido do asfalto, o calor do atrito

O tempo retardado, denso, o espaço esticado, vazio
As nuvens de algodão, os fios de polímeros, vácuo
Entre cada gotícula de luz e mesmo por dentro

O que eu quero é o desejo de querer
O que eu quero é querer desejar
O que eu desejo é o alívio de ser
Aquilo que a vida faz com que eu seja

O que acontece quando eu piso numa folha
O que acontece quando estouro uma bolha
Quando então a remexo a brasa na fornalha
E uma centelha escapa por entre as falhas

Das telas da vida, bordadas
Misteriosas linhas cruzadas
E raios de luz passam por dentro

O que fazer da comida no prato?
Que fazer então das roupas no quarto?
Onde deitar a vista, sob lençóis vermelhos
O algodão se queima, eu vejo no espelho

Me encarando desse jeito
Enfrentando a dor no peito
Mas que dor insípida!

O que dizer dos rostos no escuro?
O que dizer dos ventos no claro?
O que dizer da existência enrubescida
Numa tarde enferrujada de tão conhecida

Me esquecendo desse jeito
Ignorando a dor no peito
Mas que dor sem vida!

O que será alegria em eras tão vazias
Uma espada enterrada nas entranhas da batalha
A pegada na face da lua, só mais uma falha
Um cravo na face, entre tantas centenas jazia
Num único crivo dessa existência, meu próprio corpo
E o frio que fazia me converteu no mais escuro escopo
Sob o qual se observa o negro vácuo infinito

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

PÓ BRANCO

Olhando para o plano branco vazio
Enrolado em linhas negras traçadas
Me equilibrando no meio fio
De cada entrelinha usada

As mensagens lidas em voz alta
Tantas vozes na minha cabeça
Exprimindo raiva e revolta
Esperando que aconteça

Uma verdadeira desgraça
Esperando que eu desapareça
Mas estou perdendo o fio da meada
Simplesmente não consigo ler nada

Minha vista está cansada
Meus remédios na despensa
Minha vida escancarada
Minha família rica e tensa

Esparadrapos para esconder feridas negras
Um embrulho no estômago, dor no peito
O que há comigo, o que quer que eu tenha feito
Os meus inimigos não jogam pelas regras

Assim como eu, e o branco escurece a vista...
Nenhum horizonte mais se avista
Vendi minha alma à vista
O branco me escureceu a vista

O branco me escureceu, o escuro na lista
De palavras, de mortes, aos montes, listas
Que perdi, que calma, alistam-se
As vidas de quem morreu, listas

De cartas, de famílias de soldados
Fartas mesas para muitos convidados
Todos os mendigos estão separados
Por um muro na moral da sociedade

Como era e como sempre foi esperado
Ninguém como eu manteve a integridade
Ninguém como nós manteve a sanidade
Quantas cartas ainda faltam serem entregues?

E quem é que segue as regras nos dias de hoje?
Quem ainda pensa que é correto continuar
Tudo do jeito que está, como apenas andar
Numa calçada de concreto e suor, que foge

Do que é concreto, aqueles que a fizeram
Não são os mesmos que a utilizaram
Aqueles que a quiseram, não são os mesmos
Que nela andaram, nem os que nela dormem

Nem os que nela dormem...

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

SEM LIMITES PARA VIVER

A cada vez que olho, repetidas vezes a mesma fita
Uma mensagem sempre fica, é difícil a manter
Gravada em meus olhos, não importa a tinta
Que eu use para pintar a vida, custoso de entender
É o fato que execuções publicas ocorrem
A qualquer hora, em qualquer momento em qualquer lugar
Cansado de ouvir falar sobre pessoas morrerem
A toda hora, todo momento, todo lugar, não há fuga
Viver é um sentimento de risco
Seguir é o receio de ser deixado
Sorrir é a sensação de abandonar
Algum amigo tragado que não consegue retornar

Sorria, sorria e deixe sorrir
Sorria, sorria e me deixa rir
Tire este peso das minhas costas
A liberdade é uma centelha
A reviver as velhas tochas
A iluminar as mesas postas
Nessa noite que se assemelha
Ao curto findar da vida
Deixando para trás as rochas
Que custam tanto a serem destruídas

A cada vez que eu me vejo me tornando alguém comum
Eu turvo a imagem no espelho, jogo uma pedra n’água
Eu altero o curso para onde o meu rio deságua
Cansado de ouvir sobre celebridade, cansado da honra
A efemeridade já não possui hora, e que a vida morra
Se a morte se tornar assim, um cômodo e mais nenhum
De nós soubermos quantos ainda nascem sem cérebro
Devido à nicotina, então o feto faz do útero um féretro
E flui até a foz envolvida numa atmosfera abortiva
E há quem diga “quem me dera ter nascido no lugar dessa alma inativa”

“Viva, viva e deixe viver”
“Viva, viva e me deixe morrer no seu lugar”
Saiba, saiba que você pôde escolher
Entre molhar os pés e lavar as mãos
Para salvar alguém ou se omitir
Se você não escolheu existir
E não consegue evitar se encolher
Entre tantos justos, tantos irmãos
Porque se sentir desgarrado do antro humano
Das furnas da sociedade desumana, mundana

Escravocrata, escavando o próprio ser ou não ser
A patente e o batente te fizeram se esquecer
Quem fica acima e quem fica abaixo
Que dá as ordens e quem abaixa o facho
Eu sei que você acabou se sentindo preso
Eu também imaginei que havia algo certo
A se fazer! Mas essa é a lógica, e o preço
Apenas conhece a ti mesmo, e sede
O que tiver de ser, não há excertos
Há apenas o que disseram sobre isso
Com certeza não te disseram nada que, você há de convir
Nada que os segregados precisem te fazer ouvir

Apenas olha teu reflexo, faz aquilo que não te envergonha
A liberdade não está em se vestir, nem se despir
Está em viver, sem limites para viver

Sem escolhas para escolher não há lugar para onde ir
Sem a possibilidade de se perder, não há razão para sair

Porque nós não saímos juntos qualquer hora, então?

Porque não nos metemos por entre essas filas
E cortamos ao meio os gomos e as ilhas
Dessas pessoas tão distantes, à milhas e milhas?
Porque não nos perdermos dentro de nós mesmos?
E nós dois jamais conseguiremos
Libertar nossos pensamentos
De dentro de cada um
Para sempre seremos
O carcereiro que mantém o ser amado
Dentro do paraíso dos nossos peitos

obs: Realmente há um caso de intertextualidade aqui.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Pausa pro café

Um dia normal
Fumaça , sangue,suor em meio ao carnaval
Um dia normal
Mais escravos na colônia, e uma batalha naval
Um dia normal
Velhinhos sentam na praça e relêem o jornal
Um dia normal
O sol se foi e a lua chegou afinal

Um dia normal, como um outro qualquer
Ou qualquer outra besteira
Ou um amor a uma mulher
Um dia normal, um fato qualquer
Qualquer que seja a estação
Esteja como estiver

Num dia normal
Se dá comida aos pombos e anda-se entre os escombros
Num dia normal
Se dorme e se acorda, tudo sempre é igual
Num dia normal
Se mata se morre,se abusa da sorte
Num dia normal
Crianças morrem de fome, é outro dia afinal

Um dia normal como um outro qualquer
Ou qualquer outra besteira
Ou amar a uma mulher
Um dia normal, um fato qualquer
Qualquer outra situação
Em outro dia qualquer.

Quarto número 13

Manda noticias do lado de lá
Mas fala pra mim e pra mais ninguém
Aqui as paredes escutam
E me fazem pensar que as pessoas também

Trancafiado nesse quarto escuro
Não ouço vozes ou sussurros do além...
Não vejo,não sinto,não cheiro...
Mas finjo que o faço porque me convém

E tropeçando em dragões e lagartos
Regando as plantas que ainda podem vingar
Vou tateando pelo quarto escuro
À procura da porta que não hei de encontrar

Vê se me escreve, mas não me telefona
No telefone te ouvem muito bem
Não tem problema se eu não conseguir ler...
Se eu não posso, eles não podem também

E aqui no quarto tá ficando apertado
Todos distantes mesmo estando lado –a –lado
Cuidando do quarto com o maior prazer
E engolindo esse papo furado

Vou tropeçando em monumentos baratos
Desafinando quebrando o compasso
Da melodia que ecoa no espaço
E não me deixa achar a porta do quarto
E não me deixa achar a porta do quarto!

A chave por favor.......